INC3STO, HIPNOSE DE GOSTOS4, ALUGUEL TÁ CARO! O polêmico final de OLD BOY (que é diferente do filme)
Ele é um homem jovem, gosta de apostas, enche
a cara, sai com a mulherada. Apesar de tudo, ele não é feliz. Mas não há
nada ruim que não possa piorar. Um dia, ele é sequestrado e acorda num quarto, uma espécie de cela. Ele está sozinho e tem
como companhia apenas uma televisão. Três vezes ao dia dão a ele uma refeição, sempre
a mesma refeição. No caso, comida chinesa. E a razão para estar ali nunca
vem. Por que eu estou preso aqui? Por quanto tempo eu vou ficar? No começo,
escutando conversas dos carcereiros, ele imagina que é algo por três meses,
quem sabe? Só que isso dura dez anos. Esse homem então é liberto, sem que digam a ele
por que ele ficou preso esse tempo todo. E vai ser então, pela busca de respostas, que o nosso
protagonista começará a sua vingança. Você deve estar imaginando que essa é a sinopse de um famoso
filme coreano, certo? E sim, só que em partes. Porque o que eu quero comentar aqui com vocês é
um mangá que inspirou o filme. E que sempre foi objeto de polêmica, porque a história não é bem a
mesma. O final surpresa não traz a mesma surpresa. E é quem diga que o final do filme é melhor, já outros defendem que o do
quadrinho também é muito bom. Caso você seja um completo ignorante
e não tenha a menor noção de que filme ou HQ eu estou falando, eu me refiro a “Oldboy”. Criado por Garon Tsuchiya no
roteiro e Nobuaki Minegishi nos desenhos, “Oldboy” é um mangá que saiu
originalmente no Japão entre 1996 e 1998. Conforme eu vou explicar melhor aqui, uma época bastante especial para o Japão. E
eu já adianto, especial no sentido negativo. Porém pouca gente conhece o mangá. “Oldboy”
é muito mais lembrado pela sua adaptação, que não é japonesa, é coreana. E que saiu em 2003, 5 anos após a finalização do mangá. Dirigido por
Park Chan-wook, “Oldboy” se tornou um cult movie. Aqueles filmes que nem todo mundo assistiu,
mas é profundamente celebrado e profundamente influente. Inclusive já falei aqui no vídeo
que eu fiz sobre o “Demolidor”, o quanto que as cenas de luta de “Oldboy” inspiraram uma
série de outras séries de ação. Além disso, “Oldboy”, o filme, também é muito lembrado
pelo seu final extremamente aterrador. E logo logo eu já falo dele aqui. Houve também
um remake, dessa vez americano, lançado em 2013, 10 anos depois do filme coreano. Dirigido por
Spike Lee, um diretor muito respeitado, cultuado. Mas que eu já adianto, aqui parece que dirigiu
dormindo. Sério, eu não vou perder nem meu tempo aqui falando da versão dos Estados
Unidos, porque é um filme muito ruim. Apenas vale aqui a informação de que é um filme que
adapta não o quadrinho, mas o filme coreano. Enfim, caso você nunca tenha visto nem o mangá,
nem os filmes, etc. Vamos aqui para a história, e eu vou começar pelo filme coreano, é dele que eu
vou me referir aqui. E muito porque ele é o mais famoso e que vai servir para a gente poder fazer
comparações com o mangá. Esse eu vou apresentar mais aqui a história para vocês verem o que
muda no final. Então sim, vai ter muito spoiler. Mas do mangá mesmo, só no finalzinho do
vídeo. Vamos para o filme. A sinopse é muito parecida com aquela que
eu já trouxe aqui para vocês. Há umas mudanças de tempo e obviamente de
nomes. O protagonista é o Oh Dae-Su. E em vez de ele ficar preso 10 anos como
é no mangá, no filme ele fica 15. Ele então é solto dessa cela que ele
nunca entendeu porque ele estava lá e resolve buscar a sua vingança. No meio do
caminho ele conhece uma menina muito jovem que se aproxima dele. E o grande jogo
por trás é descobrir quem o prendeu. Mais do que isso, por qual motivo? Entre idas
e vindas e muita porradaria com o martelo, a gente descobre que o Oh Dae-Su foi preso por
um cara muito rico com quem ele estudou quando era criança. E sem querer ele havia destruído a
vida desse cara. O nome desse homem é Lee Woo-jin e ele na sua juventude havia desenvolvido
um relacionamento incestuoso com a sua irmã. Oh Dae-Su viu isso e espalhou, como um bom
moleque contando fofoca por aí. E isso levou a irmã tão amada de Lee Woo-jin a
cometer suicídio. Daí que “Oldboy, o filme, é muito conhecido pelo seu final
surpreendente e extremamente chocante. Porque o grande plano de vingança do Lee
Woo-jin era prender o Oh Dae-Su por 15 anos e nesse período hipnotizar a sua
filha, assim como o próprio Oh Dae-Su, fazendo com que ambos não se
reconheçam, mas se aproximem. Desenvolvam um relacionamento romântico,
fazendo com que o protagonista sofra tanto quanto seu inimigo sofreu no passado. Tá
pesado nos spoilers, né? Mas fica mais um pouco. Eu insisto. Ok, essa piada foi horrível. Esse final surpresa também é
repetido no filme americano. Se não me engano, inclusive, ele fica preso ainda
há mais tempo, 20 anos. Cada versão que vão fazer do “Oldboy” o cara vai ficando mais old. Daqui a
pouco vão descobrir que ele ficou preso 50 anos. Aí a tramóia é pra ele pegar a bisneta.
Seja como for, esse desfecho horroroso, que acaba em banho de sangue e muita mutilação, fez com que “Oldboy”, o filme de 2003, se
tornasse uma espécie de trauma coletivo. Quem viu, viu. E sofreu, muito. Eu já
vi esse filme, inclusive, duas vezes. Agora pra fazer o vídeo eu não
revi. Duas vezes, tá bom, né? E aí você deve estar se perguntando:
“Tá, e o mangá tem isso? Ok, tem a diferença de anos, mas tem esse
desfecho horroroso?” E a resposta é não. O motivo pelo qual o protagonista foi
preso é completamente diferente. Só que, ao mesmo tempo, o mangá é bastante sugestivo, trazendo certos temas e certas imagens um
tanto perturbadoras. E daí você consegue imaginar porque o pessoal da produção do filme
resolveu levar a história pra um outro lado. Tá meio vago, né? E cheio
de mistério. Vamos, então, aqui focar no mangá. Só que, antes de eu falar
da história mesmo, é preciso olhar pro contexto. Porque isso vai influenciar para um caramba a
história e o entendimento do desfecho do mangá, que muita gente sequer entende. E depois
de eu contar tudo isso, vocês me dizem aí, qual final vocês preferem? Não em termos
de o que é melhor na vida, né? Porque, meu Deus, os dois são horrorosos. É
em termos narrativos e dramáticos, ok? Contexto! Acho que todo mundo
aqui sabe que, no pós-guerra, o Japão cresceu enormemente. Fazendo com
que o Japão, nos anos 80, chegue a ser a segunda maior economia do mundo. Porém, vai ser
nessa década que o jogo vai começar a virar. Em 1985, surge o Acordo de Plaza,
basicamente um pseudo-acordo feito por pressão dos Estados Unidos, que obrigou o
Japão a desvalorizar o dólar perante a sua moeda, no caso, o Yen. E é óbvio que isso
acabou interferindo nas exportações, que o Japão fazia pro mundo todo. Ele perdeu
muito mercado e, óbvio, gerou problema econômico. Pra tentar consertar a bagunça, o governo
do Japão, pra tentar impulsionar a economia, acaba apostando em juros baixos e excesso de
liquidez, de modo a produzir uma especulação muito grande no mercado de ações e também no
mercado imobiliário. Só pra vocês terem uma noção como isso teve um impacto tão grande na vida
japonesa, os imóveis se tornaram tão absurdamente caros que os mangakás foram criando uma série
de vilões que eram especuladores imobiliários. O mais famoso talvez seja o Frieza. Sim, o vilão
de Dragon Ball é assumidamente inspirado em um especulador. O próprio Akira Toriyama
reconheceu isso em entrevista. E assim, né? Mesmo quem não entende de economia
percebe que isso tende a dar merda. Muita especulação e hipervalorização faz o quê? Gera uma bolha. E uma bolha
estoura. É a famosa bolha econômica. E é isso que acontece no Japão entre
1990 e 1991. E é a partir daqui, então, que o Japão mergulha numa crise econômica que, em partes, até hoje ele não saiu. Embora foi,
durante os anos 90, o momento mais crítico. Esse momento de estagnação econômica e
deflação vai levar mais uma porrada em 1997, quando surge a Crise Financeira
Asiática. Essa é uma crise que, na verdade, começa na Tailândia,
nem tem tanto a ver com o Japão, mas os bancos japoneses eram os principais
credores de uma série de países da Ásia. E aí, aquela lógica de economia globalizada, vai caindo
um castelo de cartas e vai pegando todo mundo. Por que eu tô contando toda
essa história? Em partes, porque o mangá de “Oldboy” se passa justamente
nesse mundo de especulação imobiliária. O nosso vilão é um especulador imobiliário. E, não por
acaso, o nosso herói é um trabalhador braçal. Outro detalhe, o mangá saiu entre 96 e 98. Ou
seja, bem quando o mangá estava na sua metade, rolou a Crise Asiática. Um outro
duro golpe no orgulho japonês. Ou seja, o que eu tô querendo dizer é o seguinte,
a história do mangá é profundamente afetada por esses eventos que, quem não é um japonês, não vai
perceber. E o tal do final, surpresa e diferente dos filmes, é reflexo diretamente dessa realidade.
Mas pra vocês aqui entenderem e principalmente conhecerem o mangá de “Oldboy”, eu vou repassar
aqui a história, eecontar os principais eventos, explicar melhor os personagens e lá na
finaleira do vídeo, sim, trazer o tal do grande final surpresa que vocês vão ver que vai
amarrar tudo. E até mesmo explicar porque que o filme resolveu mudar. Mas antes de eu produzir
um novo trauma em você que está me assistindo, Shinichi Gotō. Ele, diferentemente do filme,
é um cara grande, corpulento e bonitão. O fato dele ficar ali num espaço tão pequeno e confinado
acabaria produzindo um gigantesco sedentarismo. Porém Gotō em algum momento entendeu que
ele precisava se fortalecer. Ele era um homem de vícios, gostava de beber, gostava de
apostar. Então, já que ele estava preso ali e ele sequer sabia se um dia voltaria a sair,
ele passou a focar tão somente nele mesmo. Ele se interiorizou, vamos dizer assim.
E como ele tinha uma televisão ali que ficava eternamente ligada, ele gostava muito
de assistir as lutas de boxe. E foi a partir dessas transmissões que ele também começou
a treinar boxe, somente lutando contra sua própria sombra. Daí que 10 anos depois,
quando Gotō finalmente é posto pra fora, todos ali surpreendem com o fato desse
homem estar saradaço, parrudo, trincado, aesthetic sem o suco. Gotō então desperta de
dentro de uma mala e ele está livre afinal. Uma alegria incomensurável, mas ao mesmo
tempo uma dor. “Por que que alguém me roubou 10 anos da minha vida? O que esperava
conseguir com isso?” Antes de ser preso, Gotō tinha uma namorada.
E também tinha pais vivos. Ao longo da história a gente vai descobrir que
a mãe dele morreu de câncer alguns anos atrás e o pai dele imagina que ele está morto. Não
querendo ser um estorvo na vida de ninguém, Gotō não anuncia o seu retorno. Opta por viver
como uma sombra, inclusive adotando um nome falso. O mesmo vale pra ex-namorada do Gotō.
Ele não vai incomodá-la mais. Vai ver, ela já está casada, já tem filhos. E de fato, ela tem uma filha. Essa já é uma
diferença considerável em relação ao filme, porque logo no começo a gente sabe
que o protagonista tinha uma filha, ou um filho, tinha uma criança. Já no
caso do mangá, isso não está posto. Uma das grandes alegrias de Gotō agora em
liberdade é fumar um cigarro, andar ao ar livre, e comer algo que não seja a maldita comida
chinesa que ele comeu por 10 anos. Que apesar de ele ter enjoado profundamente, por sempre
comer a mesma coisa, o lado bom é que era uma comida bastante balanceada. Então isso permitiu
também que ele ficasse saudável por esses 10 anos. Um detalhe que parece pequeno, mas que serve
pra você entender muito do contexto de “Oldboy”, é o primeiro confronto que ele tem logo após que
ele é solto. Ele esbarra com um grupo de garotos, numa pegada hip-hop, que buscam roubar moradores
de rua, idosos, enfim. Gotō fica profundamente incomodado com esses jovens japoneses que
tentam emular um estilo dos Estados Unidos. E resolve colocar em prática seus
anos de treinamento com boxe, e que se mostram proveitosos,
Gotō dá uma surra na galera. Mas esse detalhe dele se incomodar com o japonês
tentando emular uma cultura estadunidense, já dá um pouco da tônica do que vai ser
“Oldboy”. E como eu já adiantei aqui, uma história muito sobre a história do próprio
Japão. Do seu orgulho, ou mesmo da sua vergonha, perante uma crise econômica, mas também
perante a uma sujeição aos Estados Unidos. Das bombas de Hiroshima e Nagasaki, ao acordo
de Plaza. Chegando num restaurante pra poder tomar uma cerveja e comer qualquer
coisa que não fosse comida chinesa, Gotō se depara com uma atendente.
Uma menina novinha, chamada Eri, e ela prontamente se aproxima de Gotō, coloca
um band-aid nele, e percebendo que aquele cara nem tinha pra onde ir, ela resolve oferecer o
seu apartamento. Ela quer que Gotō o acompanhe. Sim, ela mal conheceu esse cara, mas já
sentiu uma afinidade enorme com ele e já o conduziu para o seu apartamento.
Um detalhe, Eri é muito novinha. Ela inclusive chama Gotō de tio. Quando eles
andam juntos, parece realmente uma coisa meio pai e filha, ou algo assim. Gotō é muito grande,
corpulento. Ela é miudinha, colada no braço dele. E chegando nesse apartamento, Eri revela que é
virgem, e que quer perder sua virgindade com Gotō. Algo que o protagonista recusa no primeiro
momento, mas depois desce-lhe o sarrafo. Inclusive, o mangá é bastante
explícito nessa hora. Em paralelo, a gente vai descobrindo quem é o inimigo de
Gotō. Isso o mangá nos mostra, ele não sabe. O nome desse personagem no começo é chamado
de Sr. Dojima, onde a gente vai ver que é um nome falso. E ele é um magnata que fez muito
dinheiro com a bolha imobiliária. Ou seja, enquanto um monte de gente perdeu
dinheiro naquela especulação toda, ele soube manejar o mercado pra ganhar
muito, muito dinheiro com a perda dos outros. Porque você sabe, mesmo em crise econômica, sempre
tem aqueles que saem por cima. E geralmente eram aqueles que já estavam em cima. Ou seja, eles saem
por cima pisoteando quem se fodeu no processo. Gotō, com a ajuda agora ocasional de Eri,
resolve que uma vez que ele não tem destino, o objetivo dele é se vingar. Só que no caso
aqui, Gotō fala de uma vingança num sentido muito específico. Segundo as suas próprias
palavras, Gotō busca uma vingança desprendida. Uma vingança que não te deixa ancorado
a quem você mais odeia. Uma vingança que não te enche de emoções negativas. É
um gesto muito mais ativo do que passivo. Não é um ressentimento. Mas sim a
busca de um gesto afirmador de si mesmo. Inclusive isso é algo
que Gotō fala reiteradamente. “Se eu me deixar consumir pelo ressentimento, eu
me destruo. Já foi assim quando eu tava preso, por isso que eu consegui ficar em forma,
por isso que eu consegui ficar focado. Sim, eu vou me vingar, porque aqui aconteceu uma
injustiça. Mas eu não vou ser refém do meu algoz.” Isso é confuso, né? Mas eu ainda vou
explicar melhor. Voltando então aqui pro Gotō e pro seu plano, ele decide então
ir atrás do lugar onde ele ficou preso. Lá é sua primeira pista. Esse lugar
é o andar sete e meio. O andar que fica entre o andar sétimo e oitavo,
mas que sequer aparece no elevador. Pra você chegar lá, você tem que apertar
os dois botões ao mesmo tempo. E é uma construção que foi feita dentro de uma
série de irregularidades imobiliárias. Notem que o tempo todo a questão
imobiliária tá voltando aqui. Gotō tinha muito poucas pistas de onde ele
tava preso. A única coisa que ele sabia era parcialmente o nome do restaurante, porque
uma vez, sem querer, um pedaço de etiqueta tava misturado na comida. E outra coisa, claro,
é o gosto. Ele comeu por dez anos aquela comida, ele vai reconhecer o gosto em qualquer lugar.
Essa investigação é cheia de idas e vindas. Como o Gotō tinha acesso a apenas um ideograma, ele se confunde com o nome do
restaurante. A Eri dá uma ideia, e finalmente ele encontra. A cena é muito legal,
porque ele encontra o restaurante comendo. Ele experimenta o prato e fala: “Ok, foi isso
que eu comi por dez anos”. Aí o lance é fazer tocaia pra quem que é o entregador. E ele
descobre lá o lugar onde ele ficou preso. E tem a sua desforra. Descendo o sarrafo na
galera, que no filme tem uma cena que ficou mega emblemática. E buscando, a partir do cara
que organiza aquele lugar, o nome do mandante. Quem pagou pra ele ficar preso.
Pra contextualizar aqui, aquele lugar onde o Gotō ficou, é um lugar que a
maioria das pessoas que estão lá presas, estão porque pagam pra ficar.
Não é uma prisão particular. É um esconderijo. Ou seja, é um lugar que na
verdade é usado por bandidos, que pagam ali pra ficar na moita, por uns três meses, seis meses,
no máximo um ano e pá. E depois, saem normalmente. Já Gotō, era o chamado de “prisioneiro
especial”. Era um dos poucos que estava ali, contra sua vontade e ninguém ficava ali
tanto tempo. Até porque entendia-se que a pessoa ia enlouquecer numa sala
fechada, onde só havia televisão. Durante esse processo, Gotō descobre que ele está
sendo rastreado. Ele tem uma cicatriz nas costas, que ele não lembra onde adquiriu. E daí ele pede
pra Eri meter lhe a faca e tirar. E sim, havia debaixo da pele de Gotō, um GPS. Gotō, inclusive,
resolve usar esse rastreador a seu favor. Ele arranja um emprego na construção
civil, a partir de um nome falso, e deixa esse rastreador no seu
alojamento. Enquanto à noite ele sai, pra ir atrás de quem o prendeu. Em paralelo
a essa imagem de um Gotō, focado, forte, carregando cimento na construção
civil e pá, você tem um engravatado. No seu escritório de luxo, que
é o nosso vilão, o Sr. Dojima, que espiona Gotō e demonstra ficar bastante
perturbado. Como o próprio vilão diz: “ele ainda tem a aura”. Ou seja,
Gotō ainda traz uma imagem de força. E isso incomoda. Eu gosto bastante desse
momento do mangá, porque aqui você tem uma série de contrastes. Um trabalhador
braçal, um magnata do mercado imobiliário, um ali no pesado, o outro num prazer
voyeur, de ficar vendo esses trabalhadores. E tudo isso já serve pra caracterizar
muito o antagonista. O Sr. Dojima, é um cara obcecado em Gotō. E evidentemente queria
destruí-lo, ao deixar Gotō preso por 10 anos. Só que ele se decepciona profundamente, quando
vê sair dali um homem forte. Não só fisicamente, mas psicologicamente. Daí as palavras. “Ele ainda tem a aura”. Eu não vou
ficar repassando todos os eventos aqui, não é a ideia do vídeo, porque
uma das coisas boas do mangá é uma enorme quantidade de reviravoltas. Mas
é importante aqui pra vocês entenderem, mencionar que Gotō descobre que
tinha também uma pessoa atrás dele. Ele encurrala esse perseguidor. E numa
brincadeira que o mangá sempre traz, quando Gotō acha que está indo atrás do seu
antagonista, o antagonista também encurrala ele. O Sr. Dojima resolve telefonar para Gotō,
estabelecer com ele um diálogo pelo celular. Um celular que é dado a Gotō. Inclusive o Sr. Dojima oferece dinheiro
a Gotō. Coisa que ele recusa. Só que o Sr. Dojima só fala por telefone e não
revela sua identidade. Gotō quer saber quem ele é e por que que o prendeu. E o Sr. Dojima
fala: “esse é o desafio, corre atrás irmão.” Percebendo que vai precisar de aliados, Gotō
resolve acionar velhos contatos. Ele reencontra um antigo amigo de Tsukamoto, que é dono de um bar,
que permite inclusive que ele trabalhe e durma lá. E acaba também esbarrando com a sua ex-namorada,
Mitsuko, que agora é mãe de uma menina. Só que a ex-namorada é um personagem pontual aqui.
Ela não interessa tanto pra trama. Nesse interim, Gotō percebe que está sendo seguido de novo. Dessa vez no sapato, sim. Botaram
um GPS também no sapato dele. E há uma armação fazendo com que Gotō reencontre Eri. Porque a essa altura ele havia afastado
a menina. Ele sabia que iria se vingar, que isso iria atrair violência. Ele quis poupá-la. Daí o Sr. Dojima liga pra ele, fala que é pra ele
estar num lugar tal, que eles vão se encontrar. Mas Gotō chega lá e se encontra com Eri. E daí
ele leva um susto, porque basicamente o recado é: “Estamos de olho nas pessoas com quem você se
relaciona e vamos usar e ferir quem precisar.” Aqui eu gosto muito dessa parte, porque a gente
vê o Gotō fraquejando. Ele comenta muito o quanto que a prisão dele, em partes, foi algo bom. Isso
forçou com que ele voltasse a pensar em si mesmo. Afinal, ele tinha uma vida extremamente cheia
de vícios antes disso. Como ele mesmo diz: “Se eu não tivesse sido preso, hoje eu seria uma
espécie de escravo feliz”. Um salário imenso, típico japonês, que ganha seu dinheirinho
tendo um trabalho mega tedioso e estressante. Porém, o Sr. Dojima desperta nele os sentimentos
mais violentos. E o lance do celular que ele acompanha para falar com o Sr. Dojima, vai
gerando longas crises de ansiedade. Gotō, então, volta a se focar, para, pensa, esfria a
cabeça e diz: “Os meios de comunicação são armas.” “Sim, eu vou descobrir o cara que me prendeu, eu
vou descobrir o motivo, mas eu não vou ser refém de tudo aquilo que ele me impõe.” Gotō, então,
quebra o celular. Como ele mesmo próprio diz: “As formas de descobrir o meu inimigo vão ser criadas
por mim, não a partir do que ele vai me dar.” Eu gosto muito dessa passagem, porque,
por um lado, tem uma coisa lógica aí, vai saber se o inimigo não tá mentindo pra
ti, mas também tem essa questão altiva, volta pra ideia da vingança desprendida, que não
é passiva, que não espera do inimigo o seu gesto. De novo, tudo isso vai fazer mais sentido
no final. Ainda na lógica de reviravoltas, a gente vai ver aqui o Gotō se envolvendo com o
mundo do boxe, com a Yakuza, tentando respostas, quando ele tá presto a conseguir algo, o
Sr. Dojima vai lá e tira o barato dele. Isso é muito bom no mangá, sério. Gotō tá
sofrendo pra conseguir uma informação que a gente acha que agora ele vai virar o jogo,
aí o Sr. Dojima entrega a informação pra ele, meio que jogando na cara, “Olha,
você ficar sabendo disso não vai te levar a lugar nenhum”. Essa lógica de
caça rato, sério, é muito, muito boa. E dentro dessas artimanhas, uma parada bastante
curiosa que vai acontecer aqui no mangá, é quando vai surgir uma gostosona diante do Gotō,
que vai revelar que tá ali a mando o Sr. Dojima, Gotō recusa, do tipo, “não, não precisa que ele
pague uma puta pra mim”. Só que aí ela explica: “É o seguinte, eu fui hipnotizada, então não
adianta nem você me bater. Pra você conseguir uma pista que seja, você vai ter que me comer.” Mais
do que isso, Gotō vai ter que fazer ela gozar. O quão baixo esse Sr. Dojima, né? Fez o Gotō ter que comer a gostosa. Eu
odiaria ter um inimigo assim. Odiaria. E vai ser no gozo da moça
que vai vir a seguinte pista, tem algo a ver com a sua juventude. Gotō
então resolve investigar sobre o seu passado, pede pro seu amigo conseguir o seu álbum da
época que eles eram estudantes, até que do nada, de novo nessa lógica de reviravolta,
o Sr. Dojima se apresenta pra Gotō, senta do lado dele no bar. O vilão basicamente
diz pra Gotō, “Olha só, fui eu que te prendi.” “Eu sou o cara que você tá atrás. E mesmo
você me olhando, você não vai lembrar de mim. Eu fiz uma cirurgia no passado,
então meu rosto não é mais o mesmo.” Aqui eu acho interessante, que até é
dito, né? O quanto que a razão de viver do Sr. Dojima é o Gotō. E por causa disso,
Gotō até chega a perguntar pro Sr. Dojima: “Você é gay?” Chega a ser engraçado, né? Do
tipo, pô, você tá me perseguindo um monte e tal. Você quer que eu te coma? É isso mesmo? Você
é tão chato, você tá implicando tanto comigo. É rola? É rola que você precisa? Porque se é, também a gente já resolve aqui. Mas o Sr.
Dojima explica calmamente. “Não, não é rola.” Não, ele não fala isso. Tô inventando.
E é claro que o Gotō perde a paciência, tenta dar um pau no Sr. Dojima
pra conseguir as respostas, mas o Sr. Dojima tá armado e explica
pro Gotō que isso é uma aposta. E deixa bem claro os termos. Se Gotō
descobrir quem ele é e o motivo, o Sr. Dojima tira a própria vida. Mas se
o Gotō não descobrir, quem morre é o Gotō. Buscando ainda mais pistas sobre o seu passado,
Gotō vai atrás da sua antiga professora, que aqui na história virou uma escritora de
sucesso, e vai ser ela que finalmente vai conseguir trazer um nome pra Gotō: Takāki
Kakinuma. E sim, esse é o Sr. Dojima. Um estudante que todo mundo tinha medo,
inclusive a própria professora, tinha uma carinha meio de psicopata, era excluído,
meio feio. E aí você deve estar imaginando, o Gotō fazia bullying com ele? Não, o Gotō não
fazia. Só não se enturmava, só não era próximo. Talvez já tivesse desde a infância sinais de
psicopatia no Kakinuma, quando uma vez alguém, que a professora não sabe exatamente quem foi,
jogou um tijolo quando ela tava passando e quase que acertou a cabeça dela. Ela não tinha
certeza se era o Kakinuma, mas talvez fosse ele. Só que mais uma reviravolta e a gente
descobre que essa professora só se tornou uma escritora de sucesso porque tinha uma agente
literária muito influente, que era o Sr. Dojima. Sim, ele se passava por uma mulher,
alterava sua voz por telefone, sim, ele impulsionou a carreira da professora
pra se tornar escritora, e como ele tinha os contatos certos, ele fez ela se tornar rica.
Sim, esse homem tem dinheiro sobrando e tempo, pelo visto, muito tempo, de modo então que o Sr.
Dojima, ou podemos chamá-lo aqui de Kakinuma, manipulou tudo pra que o Gotō encontrasse o nome
dele. Nosso antagonista então, que eu não vou mais agora chamar aqui de Dojima e sim de Kakinuma,
se encontra com o Gotō e fala “Eu ganhei, você não descobriu meu nome, eu ajeitei tudo pra
que você chegasse nele, eu que ganhei esta merda.” Kakinuma então decide que vai matar o
Gotō, como ele mesmo diz: “Eu ganhei, eu posso matá-lo”. Mas não há prazer, e
esse é um detalhe muito significativo aqui na história de “Oldboy”, porque as cenas
de sexo que a gente tem ao longo do mangá, não estão ali de forma tão gratuitas. A história
de “Oldboy” também é uma história sobre prazer, sobre busca do prazer, de Gotō que
busca uma espécie de prazer em si mesmo, mas não com isso se fechando pra
novos relacionamentos, pelo contrário, vai estabelecendo novos amigos, vai fazendo uma
rede de pessoas a sua volta, e por outro lado, esse prazer é sempre meio a bomba do vilão, de
alguém que quer buscar esse prazer a partir da destruição do Gotō, mas quando a destruição
chega de fato, não tem tesão, não tem barato. Uma vingança tão planejada por mais de 10 anos vai
acabar assim? Não tem graça. Nesse sentido aqui, tem uma dimensão ética que sempre me assombra,
que é o limite do prazer de pessoas muito ricas. Tudo que elas desejam, tudo que
elas anseiam, elas têm a sua mão. Daí que a gente escuta tanta história
de multimilionário, de bilionário, que encontra formas de prazer em coisas cada
vez mais perversas, já que tudo é muito fácil, pra você ter algo que seja mais difícil, você
tem que violar algum tipo de tabu, você tem que destruir a vida de alguém, você tem que fazer
alguma coisa que a interdição moral diria pra não fazer, já que do ponto de vista material tudo
é possível, então vamos atacar o simbólico. “Eu não posso fazer isso, eu não posso fazer isso. Mas como eu
posso fazer tudo, eu vou fazer também.” “Vamos ver se pelo menos isso me dá barato.” Toda vez que tem essas críticas mega
sociologizantes sobre o perigo que bilionários são para o mundo, blá blá blá, eu
sempre levanto o debate pro outro lado, pro campo da erótica mesmo. E aqui eu tô falando não
como arte erótica, mas como campo de pensamento. Onde é que tá o Eros de alguém que pode
tudo? E isso é algo perigoso para diabo. E como vocês estão vendo aqui, “Oldboy”
mostra isso muito bem. Como o Kakinuma não encontrou aqui a fonte do seu prazer, ele
resolve propor pro Gotō uma prorrogação, sete dias apenas, pra que Gotō descubra
o motivo, porque isso ainda não foi dito. Gotō recusa, falou, “cara,
quer saber, cansei desse jogo, eu quero viver a minha vida, tá ligado?”
Só que o Kakinuma fala, “não, não, não, você não vai se livrar de mim não. Meu
ressentimento vai arrastar você pras minhas obsessões.” Dito de uma maneira prática,
o que Kakinuma faz é ameaçar os amigos de Gotō, inclusive simulando a morte ali
do dono do bar amigo do Gotō. Temendo o que mais pode acontecer, Gotō oferece
a passar sete dias junto com o Kakinuma, os dois presos num apartamento, pra que ninguém
mais seja envolvido. Mas isso não dá certo, até porque Kakinuma é um baita de
um filho da puta. A professora, também sacando que algo vai
acontecer, resolve esconder Eri. Mas Gotō logo percebe que nada disso vai dar
muito certo, ele mesmo cancela o plano deles passarem os sete dias ali trancados juntos,
e com a ajuda de um ex-empregado do Kakinuma, é revelado que Eri foi hipnotizada. Sim,
o truque da hipnose lá com a gostosa não foi usado só com a gostosa. Pra piorar,
Gotō talvez também tenha sido hipnotizado. Porque de épocas em épocas, entravam
na cela dele pra cortar as unhas e os cabelos. Ele tinha que usar uma máscara.
E pode ser que tenha entrado alguém ali e tenha hipnotizado ele, sugerido algo
que agora ele obviamente não se lembra. A turma ali do Gotō até consegue
uma das mulheres que hipnotizou Eri, mas ela revela que não foi a única.
Então ela faz ali uma hipnose reversa, a Eri revela pela própria hipnose reversa que ela
foi hipnotizada, e que tudo foi feito pra que ela se aproximasse de Gotō. Pra que ela colocasse o
band-aid no rosto dele, pra que ela se oferecesse sexualmente pra ele, pra que se sentisse
aproximada por esse homem que ela nunca viu. Por que, meu Deus? Por que que Eri era
tão importante? Já Gotō talvez tenha sido hipnotizado pra também se aproximar de Eri. Pra
quem já viu o filme, a sensação que fica é “Ih…” Pra piorar, tem uma hora que o Kakinuma, o
vilão, fala: “Isso tudo é uma tragédia grega.” E quando você pensa em tragédia grega, você
pensa em histórias como “Édipo Rei” o cara que perfurou seus próprios olhos, porque descobriu
que acidentalmente, transou com a própria mãe. Então você deve estar imaginando, a Eri é a
filha do Gotō? A ex-namorada teve uma filha, certo? Poderia ter sido uma filha
com ele. Porém, não bate as contas. Ele ficou preso 10 anos. Não
seria uma menina de 16, 18 anos. A filha de Gotō, se a Eri fosse a filha de Gotō, ela teria apenas 10 anos. Só que a Eri tem mais
do que isso. Aparenta ter uns 18, algo assim. Aí você pode dizer, “mas teve hipnose também, de outra coisa com outra coisa.” Aí começa
a forçar a barra, enfim. Em resumo, não. Não é incesto. Quer dizer, mais
ou menos. Já vou chegar lá. Vamos então pra grande revelação. Num recital
de música da escola, no qual as crianças tinham que cantar “Cidade das Flores”, ou no original
“hana no machi”, uma famosa canção japonesa, melancólica pra diabos. Fez muito sucesso no
pós-guerra.Ela foi composta em 1947. Escuta só. Foi nessa aula de música que
o Kakinuma resolveu cantar. Mas como ele era um menino estranho, que ninguém gostava dele, todos começaram
a rir. Todos debocharam. O que era normal. Mas Gotō, não debochou. Gotō
não tirou sarro. Pelo contrário. Gotô se emocionou. E isso era
algo que ele não lembrava, porque ele foi hipnotizado, pra não lembrar.
Em resumo, Gotō teve um momento de empatia. Não só por aquele menino desajeitado, mas por ele estar cantando aquela
canção. Gotō viu beleza. Viu dor. Viu algo elevado. Grande. Mesmo
naquele menino desajeitado, cantando. E isso destruiu Kakinuma. Como ele mesmo disse: “Naquele momento, com você chorando, parece
que você compreendeu a minha solidão. E você, sendo o reconhecimento da minha própria
solidão, isso não me fez melhor.” “Me fez pior. Se antes eu ser um excluído me dava
força, agora a lágrima da empatia me traz horror.” Como disse também o próprio
Kakinuma em outro momento: “Eu queria ter nascido um homem igual a você.” “E ter você, Gotō, como esse exemplo de pessoa, se importando comigo, chorando por mim, isso
é ainda mais humilhante.” Alguns vão dizer: “Cara, esse final não faz sentido”.
Acompanha aqui que faz muito sentido. Pensem naquele seu primo que tem grana que
você sempre encontra no Natal. Ele fez fortuna, é bonito, tá em forma porque tem
tempo pra tá em forma. Todo mundo paparica ele porque ele é o astro-sol da festa. E ele não é babaca com você. Veja, eu não tô criando a imagem do cara
que é babaca. Ele não é babaca. Ele é legal. Ele oferece pra ajudar. Ele pergunta se você não tá precisando de
um trampo, você pode trabalhar pra ele. Em resumo, o cara tá ali realmente com boas
intenções, querendo te dar uma força. Só que ele é tão aquela imagem do sucesso, ele é tão a imagem
da vitória, do triunfo que você nunca vai ser, que em vez de você ter ali uma espécie de admiração
positiva, você desenvolve uma admiração negativa. Ou seja, aquilo tudo é a imagem de uma vitória que
você nunca vai ter e que, portanto, você odeia. Aquele seu primo rico é uma figura de
ódio, você odeia ele. Coloque então, nesse sentimento tão universal, o tempero do
orgulho japonês, que é o quanto um gesto de fraqueza é algo humilhante, é desonroso. E aqui o
gesto de fraqueza não é só a figura do Kakinuma, mas sim a empatia a partir do Gotō,
e aí você vai entender a motivação. E é por isso que eu fiz questão de falar também
da questão imobiliária, porque essa espécie de vergonha do Kakinuma é também a vergonha do
próprio Japão, que, diante de crises e crises econômicas, quando parecia que ia ser o país mais
rico do mundo, agora os outros olham, entre eles o próprio Estados Unidos e fala: “Vem cá, eu te
ajudo, conta comigo, eu sou mais rico que você, eu tenho bomba nuclear, você não tem. Chega aqui,
querido. Ah, que triste, né? Você aí sofreu.” E às vezes essa peninha nem é hipócrita,
saca? Pense em figuras do Partido Democrata, super progressistas, que vão lá e se compadecem e
tal, mas ainda é aquele olhar de cima pra baixo, saca? É o olhar dos vencedores com peninha de
você. É aquele negócio hipócrita que você vê em muito filme americano, do sofrimento dos
soldados que fizeram horrores. Eles vão lá, fazem horrores, e depois contam histórias sobre
eles sofrendo com os horrores que eles fizeram. Percebam então por que que “Oldboy” é tão bom. E
por que que o final, mesmo não sendo incestuoso, mesmo não sendo gore, como é o filme,
ainda assim consegue ser um final muito, muito bom. Eu não diria melhor ou
pior, vocês digam aí nos comentários, mas eu acho que tá óbvio quanto que o
mangá também é extremamente potente. Mas a coisa para por aqui? Não,
porque o mangá tem um epílogo, que é extremamente misterioso e estranho. Gotō tá
vivendo com Eri, agora ela não chama ele de tio, chama ele de pai, e daí ela recebe
uma caixinha de música dos Correios, que toca “Cidade das Flores”. A essa
altura, Kakinuma já estava morto. Ele tirou a própria vida diante de Gotō,
depois de ter contado a motivação de tudo isso. Só que vocês lembrem que
a Eri tinha sofrido uma hipnose, e eles não conseguiram descobrir exatamente
pelo qual motivo ela foi hipnotizada. Tinha uma espécie de dupla hipnose, e a mais profunda
eles nunca conseguiram saber o que que era. A Eri então tem um olhar extremamente
bizarro diante daquela música, se aproxima do parapeito do prédio e
pula. Só que Gotō acorda, e isso era um pesadelo. Ele está vivendo
ali com a Eri, tá tudo normal. Eles aparentemente receberam sim aquela caixa
de música, embora pode ter sido também parte do sonho, sei lá. Gotō então vai pra varanda
e diz: “Esta guerra ainda não terminou”. Quando o pessoal quer falar muito mal do
final de “Oldboy”, o pessoal fala mal desse epílogo. Esse sim, eu acho esquisitíssimo.
Será que a hipnose mais profunda da Eri é pra fazer com que 10 anos depois que eles
estão juntos, que eles têm filhos e tal, ela resolva se matar? Talvez seja isso. Talvez o
plano do Kakinuma é muito mais de longo alcance. E é por isso que ele forçou
que Eri e Gotō se aproximassem, se amassem. A ideia é destruir essa
família no futuro. Mas vocês podem ver, por todos os elementos aqui dispostos, que
a galera do filme depois de ler, pensou: “Olha, dá pra ir por outro lugar.” Porque tem várias coisinhas aqui que realmente pode levar a isso. A ex-namorada que
tem uma filha, mas que não é a Eri. A hipnose pra fazer esses dois se relacionarem. A relação por si só que já é
esquisita. Tio, depois papai. E aí tem o fator também de que o filme de 2003
é um filme coreano. Então ele não vai reproduzir o contexto a realidade japonesa que motivou o
mangá. Em resumo, é uma boa sacada de adaptação. Aproveita essa tragédia grega, difusa
que tem no mangá, e resolve levar a história pra outro lugar. Produzindo
um outro tipo de final surpreendente, que é muito mais visceral. Mas
também é um pouco mais óbvio. Dá pra dizer que o mangá do “Oldboy”
é muito sobre ressentimento. Mais até do que o filme. E o lance do Gotō
buscar a tal da vingança desprendida, de ele tentar o tempo todo se mostrar
ativo na sua própria vingança, é algo que vai muito de encontro a um filósofo
que eu nunca falei aqui. Sim, de Nietzsche. Porque curiosamente, é Nietzsche
em “Genealogia da Moral” que vai falar de uma diferença que tem na
vingança entre o nobre e o escravo. Enquanto que o escravo é prisioneiro
do seu ressentimento, sempre agindo de maneira passiva perante aquele que
ele odeia. O nobre, por sua vez, é alguém que transforma a vingança em
algo ativo. Algo até mesmo positivo. Serve pra edificar você. Ou seja,
aquele que você busca se vingar é uma espécie de um alegre adversário. Um
competidor, que você não é preso a ele. Você escolheu se prender a ele pra
poder crescer. Ou seja, Gotō busca focar a sua vingança não num sentimento
passivo, não estando refém do Kakinuma, mas fazendo disso algo que também o engrandeça.
E várias vezes o Gotō vai dizendo isso. “Ficar preso uns 10 anos, tudo o que eu sofri me tornou alguém
maior. A minha vingança me engrandeceu.” Já o Kakinuma foi se apequenando, foi se
ressentindo. Por isso que ele olha pro Gotō e fala “Meu Deus, ele ainda tem
aquela aura”. Kakinuma é a imagem do ressentimento. Toda a sua dimensão
do prazer é passiva perante Gotō. E percebam o bacana disso pela
inversão de classes sociais. O nobre é o trabalhador braçal.
O escravo é o bilionário. O mangá me parece tão consciente desses
valores postos ao longo da história, que não é por acaso pelo menos pra mim,
o fato de a gente ter tanto close. Isso é uma coisa que eu acho muito doida e
muito bonita em “Oldboy”. É muito close. São muitas expressões de rosto. Até as
capas trazem sempre closes. É como se a gente estivesse o tempo todo mergulhando
na interioridade desses personagens. Naquilo que é mais íntimo. Como se
você estivesse olhando pra aquelas pessoas a poucos centímetros delas.
“Oldboy” voltou a sair no Brasil.
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*OldBoy* é um mangá japonês escrito por Garon Tsuchiya e ilustrado por Nobuaki Minegishi, publicado entre 1996 e 1998 na revista Weekly Manga Action. A obra segue Shinichi Gotō, um homem que, após ser mantido em cativeiro por dez anos sem explicação, é libertado e embarca numa jornada para descobrir a identidade e os motivos de seu sequestrador. Em 2003, o diretor sul-coreano Park Chan-wook adaptou livremente o mangá para o cinema, alterando significativamente enredo, personagens e temas: no lugar de Gotō, temos Oh Dae-su, preso por quinze anos, com um foco mais sombrio, trágico e estilizado, incorporando elementos de incesto, ausentes na versão original. Apesar das diferenças, ambos exploram o trauma psicológico e a busca por redenção. Já o remake americano de 2013, dirigido por Spike Lee, mantém a premissa básica, mas foi amplamente criticado por sua abordagem superficial e por não atingir a complexidade emocional do filme de 2003, nem a intriga psicológica do mangá. Comento nesse vídeo a história do mangá de OldBoy relançado recentemente no Brasil pela editora Comix Zone, comparo com o filme de 2003, explico a diferença entre os finais, falo também sobre crise econômica do Japão, orgulho nacional, vingança e ressentimento.
Edição: Cauby Monteiro
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Minhas produções acadêmicas sobre quadrinhos: https://unisul.academia.edu/AlexandreLinckVargas
#oldboy #filme #anos90 #anos2000
31 Comments
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Muito obrigado, professor.
O plot do filme é melhor…
"não importa se uma pedra é grande ou pequena, ambas afundam do mesmo jeito"
Esse video me lembra do fato do Elon musk ter um perfil que ele faz Baby Play…
Imagina o Linck falando sobre Killing Stalking =x
Então a lição de moral do mangá é que tem rir mesmo do garoto esquisito? Esses japoneses estão malucos!!
tem como falar do quadrinho do ungido por Deus? se vai ter uma continuação onde ele revela que Deus trouxe fome e seca a um povo pra que em sua gestão ele trouxesse a vida na forma de agua?
faz video de gantz pelo amor de Deus
Faz um video sobre o filme "Oeste outra vez" filmasso da porra
Que legal falar desse clássico!
Os volumes da comic zone são bonitõoooooes ✨
gostei muito da análise
e ele explica: Não não é rola xD HAHAHAHAHA
Esse vídeo ficou meio chato, não sei bem por quê.
Dica (pra ser insistente) monogatari series, tem ressentimento e muitos outros sentimentos, todos em metaforas maneiras. Sonho com a analise do careca Linck.
Tanta coisa aqui foi usada no Yakuza 0 meu deus
Excelente vídeo 🙂
Link! Faz um vídeo sobre a vingança em The Last Of Us parte 2. Abraço
finalmente um vídeo sem falar de nietzsche
Já viu love and pop, do Hideaki Anno? É muito bom! Rende análise
19:30 com um inimigo desses…quem precisa de outra coisa?
Adorei o "CONTEXTO" inclua todos os videos
Show 🌱
Ou seja o filme é melhor, mas o mangá n é ruim
Poderia falar do mangá "17-sai", a arte me lembra Oldboy, o negócio é q o caso em que se baseia é bem pesado, então se for benéfico, faça.
Olha, eu sei que isso é bem fora do tópico mas seria legal se o professor fizesse mais vídeos de webtoons eu amei o vídeo de rei de lata
Mas como recomendação eu vou indicar uma obra coreana (irônico não é?)
A fantasia de uma madrasta ou A stepmother’s märchen
É uma história belíssima tanto esteticamente quanto a sua narrativa
E também quero recomendar Secret Lady que é ilustrado pela mesma artista
E sinceramente vcs deveriam ter mais dó da sanidade do professor kkk😂
eu li quando saiu aqui pela nova sampa lá em 2015 e não tinha entendido nada do mangá, dps de ver esse vídeo vou ler de novo pq fiquei muito curioso em ter outra visão. Por isso eu gosto desse canal, eu sempre ganho uma outra visão do que eu li e muitas vezes não absorvi todo conteúdo por não ter bagagem cultural suficiente.
Poderia falar de FLCL (Furi Kuri), que tb tem uma parada de relações intra-familia.
Ambos filme e mangá são maravilhosos
Dá pra falar do fenômeno do mimetismo social também, que aparece na segunda temporada de White Lotus e inclusive é citado lá o autor que esqueci. A tendência inconsciente da pessoa querer te imitar ou querer seeu lugar mesmo que o lugar dela seja muito melhor que o seu